Adultos ranhetas

Final de janeiro, e proliferam nas redes sociais e Wahtsapp da vida mensagens e videozinhos sobre o fim das férias escolares…

 

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Daí vem a Polícia da Internet especializada em delitos maternos e começa a vomitar frases machistas e misóginas e preconceituosas e ignorantes e cafonas (e outros adjetivos menos delicados dos quais os pouparei):

  • Mãe tem que aguentar! (“mãe”)
  • Se nem a mãe dá conta, quer que o professor dê conta? (“mãe”)
  • Pôs no mundo, tem que criar!
  • Mimimi-mimimi-mimimi (looping)

Bom, eu estou dos dois lados do balcão. De um dos lados sou quase uma debutante, do outro já sou, vamos dizer assim, experiente – ingressei no magistério em 19*¨$@ (não interessa quando, sou novinha (= ).

Esse discurso, típico dos não-pais e não-mães, é muito, mas muito comum também do lado dos professores e professoras. A maioria mulheres. E uma grande parte, believe or not, mães.

Fico pensando no sofrimento dessas colegas de profissão, que não se sentem no direito de desabafar sobre o quanto estão cansadas de suas rotinas domésticas…

Porque assim, gente: tem horas que dá mais trabalho duas ou três crianças em casa, do que 40 numa sala de aula! Sério!

Na dúvida, as pessoas preferem não fazer o teste. Mas quem está, como eu, dos dois lados do balcão, sabe!

E por que?

Porque por mais que eu AME minha profissão.

Por mais que eu seja uma profissional esforçada.

Por mais atividades diferenciadas que eu invente.

Nenhumas daquelas criaturinhas é da minha conta!

Quando eu estou na sala de aula, não preciso me preocupar com o horário do almoço, ou qual será o cardápio, ou se vai ter que mandar guarda-chuva na mochila, ou se tem uniforme passado para a semana, se deu tempo de secar o tênis…

Claro que levamos algumas coisas em consideração, quando é o caso, principalmente quanto às situações pessoais de cada um, os locais de vulnerabilidade social, mas, no geralzão, assim…

N.Ã.O   É   D.A   M.I.N.H.A   C.O.N.T.A

Eu vou para casa na sexta e só revejo meus “problemas” na segunda-feira!

Ou melhor ainda: vou para casa ali pelo dia 20 de dezembro e só “encaro” meu problemas de novo, na pior das hipóteses, no final de janeiro – com direito a uma pausa (merecidíssima, aliás) para respirar em julho.

Não é da minha conta se meus amados alunitchos terão com quem ficar nesses 40-60 dias em que a escola fica fechada ao longo do ano, se eles terão o que fazer, o que comer, ou se o que eles estão vendo/lendo/fazendo/escutando é construtivo para a sua cidadania e cultura, ou se quem ficará com eles os tratará bem. Isso eu posso (?) garantir ao longo dos 200 dias letivos.

Mas depois disso – bem como durante esse período também, lógico – fica por conta da família.

Então, no caso do meu marido e filhos, EU sou família 24×7, 365 dias por ano, pelo resto da minha vidinha.

Nesses dias todinhos eu me preocupo com tudo isso e muito mais, MAIS o meu “trabalho formal” (aquele que paga em dinheiro), MAIS só todo o resto da vidinha do serzinho que é meu/minha filho/a, MAIS a minha vida (eu preciso estar inteira para fazer todo o resto!).

Durante as férias escolares, eu e a maioria dos mortais (mães e pais) trabalham. E haja criatividade para arrumar o que fazer com essa criançada!

Nos grande centros, como é o caso do lugar onde vivo, há algumas opções – muito embora as crianças abaixo dos 3 ou 4 anos ficam meio excluídas. E como as duas que tenho em casa tem essa faixa etária, a criatividade tem que ser redobrada!

Muito embora em acredite no poder do ócio criativo, eu penso nas crianças como se fossem eu: não era exatamente legal ficar em casa nas férias todos os dias, que era o que acontecia comigo e com meus irmãos.

Também pesa o fato de que eu não tenho muito com quem contar nesses períodos, pois na família pequena, cada um já tem suas responsabilidades e suas agendas bem definidas.

Então, mesclando com dias de brincar em casa, entram na agenda idas aos parques e pracinhas da cidade, à casa das amigas com filhos de idade parecida, visitas dos parentes, viagens de bate-volta ao litoral ou outros lugares próximos…

Junto com fazer café da manhã-lanche-almoço-lanche-jantar-mamadeira…

Junto com ir ao mercado, pagar contas, pensar no cardápio, arrumar e limpar e todas as demais providências da casa…

Junto com dar banho, por pra dormir, trocar fraldas, fazer soneca e todos os cuidados com uma criança…

Junto com administrar as crises de choro, birra, manha, nhenhenhe e assemelhados…

Junto com todo o dinheiro que isso demanda – combustível ou passagens de ônibus, gastos maiores com alimentação em casa, um lanchinho diferente, e sempre rola uma sede quando a água que a gente levou já acabou – isso sem nem falar do orçamento das viagens de bate-volta que eu mencionei acima…

Quando não, além de todas essas funções, se está trabalhando fora…

E lembrando que eu também preciso tomar banho, comer, dormir, dar atenção para a minha mente e para outras pessoas que estão ao redor.

Então você, querido amigo e amiga que não tem filhos…

E também você, querido amigo e amiga que tem filhos, mas que não sofre dos problemas acima, por ter família, amigos, funcionários, enfim, uma rede de apoio que lhe poupa de boa parte desse stress, deixe-me lembrá-los e lembrá-las que nem todo mundo é sortudo/a como você.

Recreadores, babás, faxineiras, cozinheiros, motoristas particulares, colônias de férias, cobram verdadeiras fortunas para fazer aquilo que mães, pais e outros familiares se esforçam para proporcionar às crianças, e intuitivamente, sem curso especial para isso.

E antes que você me venha com aquele papo de “passei as férias em casa e não morri”, guarde o seu tédio de adulto ranheta  no bolso e procure algum parente que esteja precisando da sua ajuda. Com certeza será mais útil do que a sua ranhetice e seu julgamento.

Obrigada, de nada.

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